O Comércio

A tradição e apetência comercial das gentes de Cambra é de longa data.

Em tempos remotos, a povoação da Gandra, na parte mais funda do vale, era um centro de importantes transacções comerciais para os povoados vizinhos.

Ayres Martins, na sua obra “Virgem de Codal“, diz que esse local era onde os mercadores da época se reuniam para fazerem suas transacções.

No lugar da Gandra efectua-se aos domingos uma praça semanal, inaugurada no dia20 de Março de 1894, e que é onde se abastecem os habitantes d’este concelho e ainda alguns dos concelhos de Oliveira de Azeméis e Arouca[1].

A mudança da sede do concelho da vila de Macieira de Cambra, em 1926, para o lugar da Gandra, na freguesia de Vila Chã, aumentou, sem dúvida, a sua vertente comercial, devido à excelente localização do lugar, cruzamento de caminhos e estradas várias em diferentes direcções.

Com a Segunda Grande Guerra, a marcha das realizações afrouxou um pouco, mas quando a guerra findou, não só na nova sede do concelho como nas freguesias vizinhas, o progresso em todos os ramos de actividade ultrapassou todas as previsões.

No ramo comercial, criaram-se estabelecimentos de toda a espécie de negócio. Mas o que decididamente contribuiu para o desenvolvimento comercial do concelho foram as suas afamadas e muito antigas feiras.

Durante muitos e muitos anos, a feira era mensal, realizada no dia 9 de cada mês.

Posteriormente tornou-se quinzenal: nos dias 9 e 23.

Foi muito conceituada pelo volume das transacções efectuadas e pelo movimento de vendedores e compradores que nesses dias afluíam a Vale de Cambra das mais dispersas e distantes terras.

Havia certas cantigas que a rapaziada mais nova cantava quando ia à feira:

A criada cuidadosa
Ao domingo finda a missa
Vai toda airosa ao mercado
Comprar fruta e hortaliça
.

Refrão:
Vendemos panos, chapéus
Hortaliças e legumes,
Calçado, vestidos, véus
Lindas flores com perfumes.

Aqui encontra de tudo
Para o rico e para o pobre
Tome sentido na data
Dia vinte e três e nove.

Alhos, batata e arroz
E um grande bacalhau
Ovos, galinhas e frangos
Sal e farinha de pau.
Precisa fornecer-se muito bem
Para todo o mês
Na feira dos nove
E também dos vinte e três
.

Até finais da década de 80, a feira realizava-se no centro da vila, ocupando todo o espaço urbano, tornando-se ao mesmo tempo lugar de encontro e de lazer das populações convergentes com seu garridismo muito típico.

Actualmente ocupa um lugar próprio e fixo nos terrenos adjacentes ao Mercado Municipal.

Além desta feira outras houve no concelho que, devido aos modernos moldes de comercialização e à mudança da vertente económica do sector primário para o sector secundário e terciário, acabaram por se extinguir.

Destaca-se a feira mensal dos 16, a nova feira de Cepelos, no lugar da Pontinha, que, em princípios de 1954, foi inaugurada para dar apoio à parte interior / serrana do concelho.

Atingiu alguma notoriedade durante alguns anos nas transacções de géneros alimentícios e gado bovino.

Do entusiasmo que esta feira suscitou entre a população, são espelho algumas produções poéticas que foram publicadas emO Jornal de Cambra, para celebrar o acontecimento

À grã feira de Cepelos
Não falteis, nunca, senhores!
Comereis que mete raiva
Bifes à moda de Paiva!

A 16 de cada mês
Nada faltará na Fontinha,
Vaca, vitela, carneiro
E até canja de galinha.

Para comprar e vender
Vem gente de vários lados
Uns p’ra vacas e bois
Outros p’ra criação de gados.

Aqui aparece tudo:
Ferros, panos e sapatos
Botas de canos altos
E “inté” tamancos baratos.

A feira dos 2, no lugar do Pinheiro Manso, vocacionada somente para transacções de animais, era muito concorrida.

À zona serrana, até ao início dos anos 30 deste século, quando as estradas começaram a ser rasgadas, só chegavam, (como referimos na rubrica – Transportes), os almocreves, bufarinheiros e outros negociantes que, com as suas mulas ou canastras à cabeça, asseguravam os abastecimentos de géneros de mercearia, peixe fresco, bacalhau, fósforos, petróleo para iluminação, tecidos, calçado, etc.

[1] In “Representação feita em 1895” pela Junta da Paróquia da freguesia de VilaChã, concelho de Macieira de Cambra, a sua Magestade Real, D. Carlos I, a solicitar a criação de uma escola para o sexo masculino.

Feira da Gandra

D. Alcinda da Adega 21
inO Jornal de Cambra, Ano 54, n. 1396 de 8 de Março de 1985

À feira da consoada
Chamada feira anual,
Vem tanta gente, animada,
Fazer compras pró Natal

A Feira da nossa Terra
Pra muita gente é uma festa
Pra’quele povinho da serra
Que vem encher a sua cesta

Pra baixo vêm carregados
Com os ovos e feijões
Pra cima vão consolados
Com compras e alguns tostões

Às cinco da madrugada
Já se ouve martelar
O “Chedas” a pôr as mesas
E as mulheres a acarretar
Na Adega 21 o forno a fumegar

Às dez da manhã
Já vem o pobre e o rico
Comer o bife na sertã
E o bacalhau e o grão de bico

É a bela feijoada
Que sabe às mil maravilhas
O arroz e carne assada
E o frango com ervilhas!

Feira dos 16, no lugar da Pontinha – Cepelos – 1954

Da autoria de Albino Filipe Pereira da Póvoa de Junqueira, em 20/01/1954, em estilo de conversa

A feira tem de viver
Essa vos afirmo eu
Tu nunca a verás morrer
Se morrer vai para o céu
Foi baptizada ao nascer
Pelo Bispo D. Romeu.

Foi nascido na Pontinha
Uma criança alentada
A mãe só comeu galinha
Nove meses que andou pejada
Nasceu gorda, muito linda,
Por ali não falta nada.

Vi na Feira da Pontinha
Panos de todas as cores
Veio a polícia cá acima
E guardas e doutores,
Todos a ver a criancinha
E a mãe a gritar com dores.

Feira dos 16, no lugar da Pontinha – Cepelos – 1954

Na feira cinco pensões
Pra servir a toda a gente
Com pratos em condições
Pró freguês sair contente
Mas que grandes refeições
De postas e arroz quente.

A feira ganhou raiz
Há dois dias plantada
E todo o povo já diz:
Temos feira ao pé de casa.
Os que têm maior nariz
Cheiram a maior pitada.

Uma velha de Vilar
Faz a sua propaganda
Diz: – Pra vender e comprar
Não preciso ir à Gandra!
Do que a gente precisar
Temos de tudo, caramba!

Na Pontinha, grande centro,
Vão ser feitas grandes obras
Pelos homens de talento,
São estas as grandes provas
E daqui por pouco tempo
Não faltarão casas novas.

Feira dos 16, no lugar da Pontinha – Cepelos – 1954

Manuel José de Brandão
A vender mercearia
E Manuel Pedro, de Gatão,
Encheram-se nesse dia;
Fizeram um negocião
Por terem do melhor qu’havia.

Até o Senhor Ferreira
Fez negócio excelente,
Comprando ovos na feira,
– E comprava a toda a gente –
E não esvaziou a carteira
Porque a trazia quente…

O Senhor Padre Correia
Também pôs uma pensão
Tinha sempre a sala cheia
Pra tomar a refeição
E vinho do que alumeia
Do melhor da região.

Na feira havia de tudo
Na sua inauguração
E houve negócio taludo
Só à noite faltou pão
Mas os padeiros de Ul
Pra Fevereiro cá estão.

Feira dos 16, no lugar da Pontinha – Cepelos – 1954

De Rôge e de Macieira
De Junqueira e de Arões
Vêm todos à nova feira
Fazer suas transacções
Vêm da Serra e da Ribeira
De Cambra e de Castelões

O Senhor Paiva lá estava
E o Senhor Padre Correia,
Que queriam ver livre a estrada
Pra dar passagem à carreira
Que vinha sempre carregada
De povo prá nova feira.

Viva Cepelos de Cambra!
Viva o velho da semente!
De Junqueira viva a banda
Que agradou a a toda a gente!
As velhas dançam o samba
Se for que a feira se aguente.

Texto de apresentação, selecção de fotografias e texto
Maria da Graça Gaspar Mendes de Pinho da Cruz