por Manuel Luciano da Silva, Médico
A finalidade deste artigo é:
(1) explicar a história da aspirina,
(2) qual é o seu mecanismo químico, e
(3) os cuidados que uma pessoa deve ter ao tomar este medicamento.
Por outro lado, também, dá-se a informação sobre os últimos estudos hospitalares e quais as vantagens em se tomar este medicamento profilacticamente para evitarmos ataques do coração e ataques vasculares cerebrais.
Uma coisa é certa, todas as pessoas devem primeiro aconselhar-se com o seu médico de família para avaliar se de facto podem ou não tomar a aspirina como medida profilática.
As pessoas que são alérgicas NÃO devem tomar aspirina, nem as pessoas cujo coração não bata certo, isto é, que tenham um ritmo cardíaco IRREGULAR. Devem sim, continuar com a coumadina.
Eu faço a minha obrigação. Eu tomo uma aspirina de 81 miligramas todos os dias. Boa sorte!
Passado histórico
No dia 20 de Novembro de 2001, “The New York Times” publicou um artigo revelando os resultados publicados na famosa revista médica “The New England Journal of Medicine”, sobre a comparação do uso da aspirina e da coumadina para se evitar os ataques do coração e os acidentes vasculares cerebrais, ou ataques vasculares do cérebro, ou “strokes, por coágulos sanguíneos.
Neste estudo de investigação foram usados 2,206 indivíduos que tiveram acidentes vasculares ligeiros (TIA, Transient Ischemic Accident, ou pequenos strokes).
Metade do grupo tomou aspirina e a outra metade tomou a coumadina ou warfarina, medicamento para fazer o sangue fino, como diz a nossa gente.
Estas experiências foram feitas no Hospital de Columbia-Presbyterian Center, em Manhattan, Cidade de Nova Iorque.
A conclusão deste estudo foi de que NÃO há diferenças significantes entre os dois grupos.
Ambos os medicamentos, tanto a aspirina como a coumadina, têm o mesmo efeito preventivo em evitar a formação de coágulos sanguíneos e portanto em evitar os acidentes vasculares cerebrais e os ataques do coração.
Como é que a aspirina actua?
Tanto a coumadina, como a aspirina evitam a formação de coágulos sanguíneos, não permitindo que as plaquetas do nosso sangue se colem umas às outra e formem coágulos sanguíneos que depois poderão actuar como rolhões nas artérias, quer do cérebro, quer do coração.
É por isso que a nossa gente usa, e muito bem, a expressão de que estes medicamentos “fazem o sangue fino”, para que ele possa circular melhor…
A coumadina produz o mesmo resultado evitando que as plaquetas se colem umas as outras e formem coágulos, mas o mecanismo de acção é diferente da aspirina.
Faz-se por intermédio duma substância chamada protrombina, (ou factor II), que é responsável pela coagulação normal do nosso sangue quando nos cortamos e sangramos.
Mas quando uma pessoa toma a coumadina tem que fazer uma análise do sangue, uma ou duas vezes por mês, para saber qual é o tempo de protrombina, isto é, saber se o sangue está fino de mais, para evitar que o doente comece a sangrar perigosamente!…
E estes exames de laboratório, além da despesa, são uma grande maçada!
O doente tem que ir mais vezes ao seu médico e portanto gasta mais dinheiro em consultas.
As vantagens da aspirina.
Se os resultados de prevenção terapêutica são os mesmos, quer usando a aspirina quer a coumadina, então vamos votar pela aspirina porque é muitíssimo mais barata e não é preciso fazermos exames de laboratório pelo menos duas vezes por mês!
Claro que há pessoas que são alérgicas à aspirina e portanto não podem usar a aspirina.
Há também pessoas nas quais a aspirina causa aumento de acidez do estômago, mas nestes casos essas pessoas devem tomar a aspirina em cápsulas, usar a chamada Ecotrina, que se parece com tremoços pequeninos.
Outra condição muito importante, para não substituirmos o uso da aspirina pelo uso da coumadina or warfarina, é se essa pessoa tem o ritmo do coração IRREGULAR, como acontece na fibrilação auricular.
Nestes casos temos que usar SEMPRE a coumadina.
Quantos anos tem a aspirina?
A aspirina tem mais de dois mil e quinhentos anos!
É o medicamento mais antigo da humanidade.
O médico grego Hipócritas, o chamado Pai da Medicina, usou a aspirina para melhorar as dores reumáticas.
Na antiguidade, os povos começaram a fazer chás das folhas das árvores e até de ervas.
Faziam também caldos de flores e das cascas das árvores.
A casca do vimeiro (willow tree na América) é muito rica na substância donde se extrai a aspirina.
Claro que o Hipócritas não sabia que estava a usar aspirina…
Foi em 1897 que o químico alemão Felix Hoffmann, na busca dum medicamento para curar o reumatismo do pai, veio a descobrir a composição química da aspirina.
Descobriu que a substância do caldo da casca de vimeiro era na realidade um ácido chamado ácido salicílico.
A este ácido foi dado o nome comercial de Aspirina-Bayer e durante muito anos esta companhia usou e abusou da benevolência do povo americano de tal maneira que em todos os outros países, incluindo na própria Alemanha, a aspirina era vendida com o nome genérico de ácido salicílico.
Mas na América a Aspirina-Bayer custava dez vezes mais do que o genérico do ácido salicílico!
Foi em 1980 que a Faculdade de Medicina de Harvard em Boston terminou um estudo no qual participaram mais de cinco mil médicos e ficou demonstrado que o uso de uma aspirina por dia evitava os ataques do coração porque evitava a formação de coágulos de sangue e portanto evitava os rolhões de coágulos que causam os ataques do coração.
Depois, esta mesma ideia estendeu-se a evitar os coágulos sanguíneos para prevenir contra os ataques do cérebro ou strokes.
Eu fiz parte deste grupo de Médicos da Harvard University.
A aspirina é o medicamento mais usado em todo o mundo!
Hoje há mais de cinquenta medicamentos que contêm aspirina e que se podem adquirir sem receita, mas isto é muito perigoso, porque uma pessoa que toma a coumadina para fazer o sangue mais fino, com a adição do ácido salicílico ou aspirina, vai aumentar o efeito de fazer o sangue ainda mais fino e portanto a pessoa corre maior risco de vir a sangrar perigosamente.
É por isso que NUNCA se deve misturar a aspirina com a coumadina.
Ainda outra acção importante da aspirina
Até 1970 ninguém sabia cientificamente como é que a aspirina actuava para abater as dores reumáticas, reduzir a febre ou diminuir as dores de cabeça.
Mas um grupo de cientistas na Europa e na América verificaram que certas células do nosso corpo produzem umas substâncias com características semelhantes a hormonas chamadas prostaglandinas.
São estas prostaglandinas que causam as dores reumáticas e os inchaços nos tecidos.
As prostaglandinas derivam do ácido araquidónico.
A aspirina actua de tal maneira que reduz as produção das prostaglandinas!
Foi esta descoberta que levou à invenção da Motrina, Naprosyn, do Advil, e de outras anti-prostaglandinas, para tratamento das doenças reumáticas.
As descobertas das anti-prostaglandinas mereceu o Prémio Nobel da Medicina.
Percentagens
Estudos feitos nos últimos dez anos confirmam que o uso diário de uma aspirina evita a formação de coágulos, aumenta a elasticidade dos vasos sanguíneos e reduz o risco de ataques cardíacos e cerebrais nas seguintes percentagens:
– Reduz em 44 por cento o primeiro ataque do coração.
– Reduz o segundo ataque do coração em 30 por cento.
– Reduz a morte instantânea por ataque do coração em 23 por cento.
– Reduz um ataque cerebral ou stroke em 25 por cento, mesmos nas pessoas que já tiveram pequenos strokes, ou acidentes vasculares cerebrais.
Estes estudos foram feitos com homens, mas acredita-se que os mesmos resultados podem ser aplicados às mulheres.
Cuidados a ter com o uso da aspirina (1) Se tomar aspirina, não beba bebidas alcoólicas, porque a aspirina vai irritar ainda mais a mucosa do estômago.
Claro se uma pessoa tem úlcera do estômago tomando mais ácido salicílico, é deitar gasolina no fogo…
(2) Com respeito a alergia verifica-se que num grupo de mil pessoas, duas são alérgicas à aspirina.
(3) NUNCA se deve dar aspirina às crianças quando têm febre porque podem apanhar uma doença rara, mas muito perigosa, chamada Síndroma de Reye.