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Figuras Típicas e Curiosidades

Figuras Típicas

Vou começar por falar do “Té’, figura sobejamente conhecida dos valecambrenses em meados do século XX.

Manuel Augusto era o seu nome de baptismo e engraxava botas, sobretudo no lado de fora do Café Avenida.

Tudo o que arrecadava gastava, pois com o Té era “chapa ganha, chapa gasta”. À sua maneira, levava uma vida simples e prazenteira.

O Té da Madalena tinha um sorriso marcado pela falha entre os dois dentes incisivos superiores. Levava à boca uma das suas típicas “beatas”, sorvia longamente o fumo e, de seguida, levando a mesma beata ao nariz fazia a inversão do fumo que passava a sair pela boca.

O Té faleceu por grave insuficiência cardíaca e talvez a consciência das muitas pessoas que afluíram ao seu funeral – de que o poderiam ter ajudado mais – justifique as lágrimas derramadas.

De origem muito humilde paupérrima mesmo, era um jovem alegre e folgazão, pese embora as vicissitudes da sua vida. Ganhava o seu pão” de cada dia quando o ganhava, engraxando calçado pelos cafés, sobretudo junto ao Café Avenida, seu paradeiro predilecto, ou ainda, calcorreando as ruas.

Dormia na humilde casa de uma tia que lhe ia dando guarida. Mas, por preguiça, espírito de aventura ou outro motivo qualquer escolhia os sítios mais inverosímeis para dormir. No Verão, não raro era dormir em cima de uma qualquer das árvores mais ramalhudas do jardim público ou das avenidas.

Também se aninhava entre arbustos na margem do Vigues ou debaixo de uma das pontes da retorta. No Inverno aconchegava-se debaixo das escadas exteriores que eram arrecadação de utensílios variados de gente mais rica ou então na quentura do serrim das fábricas de serração.

Numa dessas vezes dormiu mesmo junto à serra o que lhe ia custando a vida, pois, de manhã, no arranque da fábrica, fosse pelo estrondo do ligar da serra ou por qualquer movimento involuntário provocado pela surpresa, sofreu um grande golpe nas costas, valendo-lhe a bonomia de um dos proprietários que, prontamente, o transportou ao hospital. Foi uma façanha muito badalada.

O Té teve uma existência multifacetada…

Era admirador dos grandes cantores da época em particular do grande Alberto Ribeiro imitando-o bastante bem. Era senhor de uma voz estentórea contudo, bonita e agradável que exibia quando engraxava ou deambulava. Também assobiava!…

Certa vez, para o fazer melhor partiu os incisivos superiores! Assobiava admiravelmente e o facto de ter sacrificado os dentes não parece ter melhorado a prestação e a qualidade do seu assobiar.

O Té, talvez com alguma injustiça, era acusado, frequentemente, de ladroagem. Volta que não volta havia assaltos aos cafés da vila e o Té, por via das dúvidas, era engavetado, mas, quase sempre, solto logo de seguida, ao que parece por falta de provas.

Algumas vezes terá pago as “favas” por outros assaltantes, como se verificou.

Mas o Té não era só isto!
O Té tinha um coração imenso!…

Certa vez, em dia de feira, uma anciã mendigava uma malga de caldo junto ao restaurante do “Ti Benvinda”, ali, juntinho ao Avenida.

– Não!.. Vá-se embora daqui! – ouviu o Té.

Olhou para o lado e viu a pobre mulher com um ar triste e muito constrangido começando a voltar costas, com a cabeça voltada na vã esperança de um voltar atrás do “Ti Benvinda’.

O Té esboçou um gesto na direcção dela e, dirigindo-se ao “Ti Benvinda”:
– Quanto custa uma malga de caldo?
Ouviu a resposta, engoliu em seco e perguntou:
– Você fia-me até logo à tarde?
– Está bem…

O dia não estava a correr de feição, pois, ainda, não tinha engraxado o suficiente para poder dispor de algum para si próprio nem sequer para um copito de branco para mitigar o apetite que crescia incessantemente.

Deus me ajude – terá pensado e orado mentalmente. E voltando-se de novo para o ‘Ti Benvinda”:
– Olhe, então dê lá uma malga de caldo à mulherzinha e aponte aí, que eu logo pago.

A mendiga voltando-se para o Té, olhos marejados de lágrimas, pela comoção de tão eloquente gesto de caridade, disse:
– Obrigada, meu rapaz. Que o Senhor te abençoe ajude e acompanhe sempre.
E quis beijá-lo nas mãos.

– Eh! Que é isto?!. – bradou o Té, afastando-se um pouco, mas ficando de vigia até que viu a pobre ser servida e sentar-se na soleira da porta para comer pois os pedintes não tinham autorização para entrar e muito menos, sentar-se para comer por esmola.

Só então Té, não dando importância ao gesto acabado de cometer – talvez nem tivesse disso consciência – contornou a esquina e, pegando na caixa da graxa, foi tentar de novo a sua sorte.

O Té também provocava admiração por isto! E não eram gestos isolados, pois ele que quase mendigava, sempre se dispôs a ajudar o seu semelhante, dava esmolas sem se preocupar consigo próprio!

Estas eram facetas pouco conhecidas da grande maioria e só quem com ele privava mais de perto o apreciava devidamente.

Era uma boa alma… [1].

O Té era caricato

O Té do Caveira
Era amigalhaço
O Té dizia sim
O Caveira já faço.

Cantigas e um copo
Eram inseparáveis.
Dentro do seu tipo
Eram vadios impecáveis.

O Té engraxador
Frente ao Avenida
Quem ali passava
Sujeitava-se à cantiga
.

Aos sapatos engraxar
O cliente distraía
Uma gaja a passar
Na escova cuspia.

O Té e o Caveira
Tiveram que festejar
Uns copos bem bebidos
E no lago mergulhar
.

A sua alegria
Era contagiante,
Os momentos tristes
Passavam num instante.

O Silvério e o Mário
Fizeram um conjunto
Para o bombo o Té
Percebia do assunto.

Em dias de gala
Sabia-se apresentar
Camisa sem botões
O peito ao luar.

Botas de atanado
Gabardina por cima
Cabelo risco ao lado
Empastado de brilhantina.

O Té era uma graça
No meio de gente pacata,
Depressa se tornou
Uma pessoa caricata.

Manuel Amorim

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Outras Figuras Típicas

O barbeiro de Vale de Cambra, João Dias da Cunha, o “Lermas”, casou na Aguincheira, faleceu em Macieira de Cambra e foi o primeiro barbeiro do concelho.

Juntamente com António Galinha atendia os seus clientes quer em feiras quer ao domicílio, carregando malas de madeira onde guardava os instrumentos próprios para a sua função.

O seu apelido deve-o à sogra que, a primeira vez que o viu, disse para o marido: “Olha que lermitas que a nossa filha arranjou!”

Foi também tamanqueiro. Conta-se que, um dia, um cliente de apelido “Percevelho”, ao encomendar-lhe umas chancas lhe chamou Sr. Lermas ao que ele retorquiu de imediato, chamando-lhe Sr. Percevelho;

  • O Manuel das ervas era uma figura com grande capacidade de improvisação.

    Quando andava bem disposto, já se ouvia ao longe a banda musical que improvisava: com a mão direita metida em forma de concha no sovaco do braço esquerdo, fazia um espaço fechado que, ao ser comprimido pelo braço contra o peito, emitia um som que repetia sincopadamente.

    Este som era o acompanhamento da música produzida pela boca, que imitava alguns instrumentos como a caixa, os pratos e, sobretudo, o saxofone e o trombone. Era uma verdadeira orquestra ambulante!

    Conta-se que era vulgar, nas noites mais frias, dizer na loja de Coelhosa: “Saia mais um cobertor!”

    Este era o pedido de mais um cálice de aguardente que lhe iria dar calor para suportar mais facilmente uma noite dormida ao relento;

  • O Zé da Catrina, vendedor ambulante d’O Seringador, de sabonetes e pentes, era cego de nascença.

    Uma vez, já de noite, ao recolher-se a casa, alguém disse:
    “Coitado, vai para casa, de noite, sem qualquer luz e, para mais, ainda é cego!”.
    Ao que outro retorquiu:
    “É bem melhor, pois como não vê, para ele, pelo menos, não há trânsito”.
    Tinha especial talento para reproduzir fictícios relatos de futebol.

    Era este o seu pregão:
    “Olhós sabonetes, pasta para os dentes, pentes! Olhó terror da bicharada! Olhó verdadeiro seringador!”

  • O Alberto poeta, sempre vestido a primor, elegante e delicado, procurava encontrar a sua companheira ideal costumava fazer poemas que eram do agrado geral;
  • O Voz de Londres era Ernesto de Sousa, da Aguincheira, assim denominado por durante a 2ª Grande Guerra Mundial ouvir na BBC o programa de notícias intitulado “Voz de Londres”.

    Apesar de analfabeto, era muito esperto, inteligente e com uma cultura geral acima da média.

    Com grande capacidade para a música, com a sua voz de tenor entoava partes das mais famosas óperas de Verdi, Wagner, Mozart, Bach e tantos outros. Na canção ligeira a sua preferência era interpretar Francisco José.

    Certo dia, ao ouvir um ensaio da Banda de Música de Vale de Cambra, não se coibiu de chamar à atenção o Regente da Banda para algumas deficiências de interpretação musical.

    Bom conversador, era de resposta rápida e pronta, por vezes com espírito satírico: “Se em vez de tu nasceres, tivesse nascido um rebanho de ovelhas, o pais estava muito mais rico”;

  • O Ferrinho (D. Ferro), pretendia emitir as suas abalizadas opiniões sobre tudo e sobre todos;
  • O Mestre da Música, Vasconcelos, tinha sempre resposta para tudo e era uma antologia em anedotas;
  • O Samuel do Tora, o maior coleccionador de carteiras de tabaco vazias;
  • O Fininho, transportador de quilolitros de soro de leite com o seu latão à cabeça;
  • O Claudino, homem da graxa, da distribuição de telegramas e de muitos outros trabalhos. Entre dois goles do famoso vinho branco verde madurão, repetia a sua admiração por Salazar e a sua última amizade Albino dos Reis, Presidente da Assembleia Nacional;
  • O Rodrigo Cubal, impecavelmente vestido e de flor na lapela, diariamente visitava o seu batatal e lhe lançava o cumprimento: “Bom dia, batatinhas!”
    Quando lhe perguntavam como ia o crescimento das batatas, respondia:
    “Isto é que é crescer! Até se ouvem trupar pela terra acima!”;
  • O Moreira, não sendo capaz de acertar numa bola, ambicionava sobretudo ser ponta de lança no Belenenses;
  • O velho Loló, pai do Serafim, motorista do Dr. Abel;
  • O Francisco, cantoneiro;
  • O Albergaria, instrutor da Legião Portuguesa. Conta-se que o apelidavam de “Melancia” porque politicamente aparentava a “cor verde”, se bem que interiormente fosse vermelho;
  • O Reverenças;
  • O Américo, carteiro;
  • O Domingos, serralheiro;
  • O Alberto, ajudante de farmácia;
  • O Gomes do Café Avenida;
  • O Jacinto da Rabaceira, carpinteiro de profissão, tocava concertina e cantava. Tinha uma frase-chave: “Está tudo na esquadria!”;

O mudo de Areias era uma figura popular muito conhecida. Imitava o Prior de Macieira de Cambra, Joaquim Tavares ade Oliveira Coutinho no seu andar, em jeito de passeio com o rosto ligeiramente à banda, uma das mãos na lapela do paletó e ar cativante quando andava à busca de votos [2].

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Alguns apreciadores de Baco e da feira

O Emídio, cereeiro, que vendia e comprava árvores, o Cardeal, o Sardinheiro, o Caveira, o Basílio, o Tião, o Máuser, o Conde, o Joaquinzinho Ferreira, o Nelzinho das Baralhas, o Barbeiro da Agualva e o Bodegas de Dornelas que tinha um cavalo que, segundo se dizia, estava ensinado a parar em todas as tascas, desde a então vila até Dornelas, baixando-se para ele descer e depois para subir.

Alguns feirantes:

  • O maneta das limas;
  • O vendedor de meias de senhora marca Baiona e os seus ditos apelativos:
    “Comprem, comprem, meninas, comprem meias da marca Baiona, que vão desde a ponta dos pés até…”
  • Os vendedores de banha da cobra (jibóia) – a chamada pomada milagrosa que curava todos os males, desde reumatismo e enxaquecas até resfriados, doenças de pele, etc., etc.;
  • O pedinte Zé Bastos da Lombela, que, assim como a família dos cegos de Santa Cruz, pedia na feira e às portas de casa;
  • A pedinte Ti Dulvina, de Cesar;
  • A pedinte Teresa de Função.
  • O vendedor de peneiras, tal como os recoveiros, passava por Vale de Cambra, em dias de festa ou da Feira dos 9.

Outrora a vida era bem mais difícil devido à falta e demora dos transportes. Quase tudo era transportado em carros de bois, ao lombo de burros e de pessoas.

Com as primeiras estradas, já rodavam carros puxados a cavalos mas eram sempre transportes lentos e demorados (..)

Os recoveiros chegavam a andar cerca de 20 a 40 quilómetros por dia (…) Naquele tempo era usada a recovagem como uma tarefa muito custosa. Basta dizer que os recoveiros deformavam os pés e lutavam contra as intempéries.

Do Furadouro a Vale de Cambra, as sardinhas eram transportadas numa canastra à cabeça, diariamente (…) As padeiras de Ul faziam também o transporte do pão da mesma maneira, vindo de Ul, por Macinhata da Seixa, Ossela, Vale de Cambra e vice-versa.

Naqueles tempos, os larápios sabiam que os recoveiros levavam valores e dinheiros e algumas vezes assaltavam-nos.

Em referência a esses assaltos, quero sublinhar um, espectacular a uma padeira de Ul, que depois relatou o caso.

Um dia veio vender a sua canastra de pão como era habitual. No regresso precisou de ir por Oliveira de Azeméis fazer compras. Mudou o trajecto de regresso e foi por Ossela, Alto do Ponto, Ricoca, Vilar, Cidacos, Oliveira de Azeméis.

No caminho oculto, embrenhado de arvoredo e deserto da Ricoca foi assaltada por um homem, mas conseguiu desembrulhar-se dele e fugir gritando sempre por socorro.

O mais interessante aconteceu quando ela entrou na primeira casa que encontrou que sem o saber era precisamente a casa do assaltante.

Aflita estava a contar o que lhe sucedera quando viu o assaltante entrar pela porta dentro. Com tamanha aflição, a padeira saiu de novo a correr e a gritar pela calçada de Vilar até que alguns moradores a confortaram e a levaram a porto de salvamento.

E assim se salvou o produto da venda, os brincos e a volta de ouro perdendo somente a canastra (…)

Os nossos ascendentes caminhavam muito para obter os utensílios mais necessários à sua vida doméstica.

Basta dizer que para ir ao Porto caminhavam oito horas e, na volta, outras tantas até Vale de Cambra.

Só em fins do séc. XIX D. Pedro V inaugurou a primeira via férrea do Porto a Lisboa e então os nossos recoveiros só caminhavam até Ovar (seriam umas 4 horas).

Com a inauguração da via férrea de Espinho a Viseu a caminhada passou para duas horas, de Oliveira de Azeméis a Vale de Cambra… [3].

Antigamente andavam de casa em casa ou de porta em porta alfaiates, costureiros, a burra do azeiteiro e a do moleiro, o amolador ou guarda-soleiro [z] Amolador de tesouras e navalhas é o termo correcto. [/z] e outros.

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O Azeiteiro

Com a gaita o azeiteiro
Fazia-se anunciar
Ele e a burra
Faziam um lindo par
.

Eram muito simpáticos
E do gosto popular
As crianças corriam
Para os ver passar.

Eram dois pecantes
O mundo a enfrentar
Como a burra não podia
Tinha que empurrar
.

Calças escorregadias
Eram ultrapassadas
Até a burra sabia
Parar junto às casas.

De relação familiar
A semana repetia
Pela burra e o par
Havia grande simpatia.

Eram tempos difíceis
Esperança não havia,
O cliente não pagava,
O azeiteiro cedia.

De olhar rasteiro
Um pouco assombrado
Chateado o azeiteiro
De chapéu ao lado.

Segura pela rédea
A burra corria
Com as cangalhas a abanar
O azeiteiro a assobiar
Esperando melhor dia.

Manuel Amorim

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O Guarda-Soleiro e o Vendedor de Sementes

O Guarda-Soleiro

Tareri!… Tirerá!…

Era o guarda-soleiro
Que se fazia anunciar
À porta gente vinha
Quando algo tinha
Para ele consertar.

Louça partida se aproveitava,
Era só os cacos unir,
Com arames remendar
Até voltar a partir.

Guarda-chuvas feitos num oito
Era o que mais havia,
Com linhas e arames
O guarda-soleiro” cosia.

Outras coisas eram feitas
Na pedra de amolar
Tesouras e facas afiava
Com a pedra a girar
.

Quando algo partia,
Era só esperar
Mais dia, menos dia
Voltaria a passar.

Manuel Amorim

Albino Filipe Pereira nasceu a 17 de Abril de 1884 e morreu a 17 de Dezembro de 1970. Viveu no lugar da Póvoa, na freguesia de Junqueira.

Vendia sementes, garantidas das melhores procedências, pelas povoações, nas feiras e festas. Era um poeta popular e escreveu em verso a sua vida:

De 10 anos fiquei órfão
Deus levou meu pai e mãe
O autor criado vosso
Qualquer dia vai também.
Nunca esqueci um Pai-Nosso
Pelos que Deus me lá tem.

Meus pais eram lavadores,
Em menino me deixaram.
Passei vida de horrores
Com rigoroso trabalho
Os filhos são as flores
Que os pais regam com orvalho.

Os regadores são os olhos,
A água cai-lhes do rosto,
Há homens que o ignoram,
Que desconhecem tal gosto:
Um filho sem pai e mãe
É planta sem encosto.

O amor de pai e mãe
Poucos sabem avaliar.
Os meus ficaram também
Sem mãe de tenra idade,
E a mais nova de oito meses
Que Deus também quis levar.

Há muitos filhos e filhas
Que desestimam seus pais
De maiores só querem partilhas
Pra não se importarem mais.
Se é a senda que trilhas
– Cedo ou tarde a pagais.

Para meus filhos criar
E cumprir os deveres de homem
Não me tornei a casar
Para eles não passarem fome.
Se me dispunha a gozar,
Eu criava outro nome.

Enviuvei, não casei mais
Por causa da filharada.
Se vinha uma das tais
Tinha que usar ramada
Davam-se casos fatais
Havia muita pancada!…

Conheci homem que casou
Até à terceira vez.
E Deus todas lhe levou,
Arranjou outra e bem fez:
Neste mundo se fartou
De tosquiar tanta rês…

Não sei se faria asneira
Em não tornar a casar
Se ela fosse criadeira
Povoava um lugar…
No meio de tal bicheira
Nem os podia estremar…

O homem que casa três vezes
Às mulheres é que não poupa
Na feira era bom freguês
Que comprava muita roupa,
Se eu fazia como ele fez
Era um “cabeça louca”…

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As belezas de Junqueira e de Arões

Esta terra é um jardim
Com canteiros de flores
Afirmo eu que é assim;
Caros prezados leitores.

Tem o Sr. Presidente
Da Junta de Freguesia
A imitar seu pai sempre
A fazer como ele fazia.

Temos 4 professoras
Pra ensinar as criancinhas
Uma já é esposa
Três solteiras e bem lindas

Festejamos em Junqueira
A Senhora da Conceição
Por ser nossa padroeira
Cá desta linda Nação

O senhor Marques é regente
Da música cá da terra
Que a qualquer outra faz frente
Toca ao longe e cá na serra.

Toda a gente cá da terra,
Filhos daqui e de fora
Se dá muito bem na serra
E tudo chora ao ir embora.

O Pinto da Portelada
Fica acima da Calvela
Toca bombo e faz a barba
Ajusta a música cá da terra.

Vamos ao lugar do Fôjo,
Que nos ia esquecendo,
Desta terra não há nojo
Também se lá vai vivendo.

Temos distinto professor
Que dá escola em Oliveira
Dois estudantes de primor
Que são o brio de Junqueira.

Temos nós no São Tiago
Um mercado muito bom;
Vem ali o melhor gado
De toda esta região.

E temos cinco capelas
E temos duas igrejas
Por estas terras
Que são lindas e não feias.

O Vigário da Freguesia
É digno de muito respeito;
Ele trabalha noite e dia,
Vêem-se as obras que tem feito.

O seu pai foi regedor
E também pai da pobreza.
Está na paz do Senhor
A gozar sua beleza.

Temos cá um bom artista
Pra tirar fotografias.
Tia a dum capitalista
De rapazes e raparigas.

As festinhas deste povo
Todas feitas em segredo
Não têm morteiros nem fogo
Prós de fora não terem medo.

Esta terra de Junqueira
E terra de muitos artistas,
Alfaiates de primeira
Costureiras e modistas

Nós vimos além os Couços,
Mais além as Fontes Casas
E por ser lá morouços
Bons borralhos, boas brasas.

Temos nós no São Tiago
Um tal senhor Leonídio,
Com os Santos e seu gado
São elas que lhe têm valido.

Temos o lugar da Igreja
Muito pertinho dos santos;
Tem dinheiro que sobeja
Nas gavetas e nos bancos

Temos muitas tecedeiras
Na freguesia e Falcão
Tecem muito lindas teias
Só com lãs e algodão

Quem vier a esta feira
Lá bebe seu quartilho;
Carregam no da Ribeira
Pra tarde termos sarilho…

Dessas lindas capelas
Cada uma em seu lugar
Festeja-se em todas elas
E uma é do nosso padre.
1951

Vale de cambra linda vila,
Amanhã uma cidade.
E ao velho no fim da vida
Vale pouco o ele gritar.
Mas essa feira querida
Não se pode aguentar.
1952

Albino Filipe Pereira calcorreou, ao longo dos seus 86 anos de vida, várias vezes a terra de Arões. O que aí se passava não lhe era indiferente.

Por isso, terá interesse conhecermos os versos que, a propósito da inauguração da estrada, este autor dedicou a Arões, em 1951:

Em Arões grande freguesia
De S. Simão, o padroeiro
Houve ali grande alegria
Isto no lugar inteiro;
A senhora Junta erigia
Um melhoramento, o primeiro:

O melhoramento da estrada
Que deu impulso à Terra
Que prà sede deu entrada.
Igreja de antiga era
Sua tribuna sagrada,
Das melhores de toda a serra.

No melhoramento a trabalhar
Desde manhã ao sol posto;
Mas um grande auxiliar
Foi o senhor José Tôco
Que deu castanhas para assar
E vinho do mais piloto.

A 28 de Setembro
Do ano que vai findar
– A todo o povo eu relembro –
Houve ali missa campal,
Pelo digno reverendo
Distinto senhor Abade.

Mãe de Fátima no andor,
Posta ao lado do altar,
Fez brotar uma flor:
Ali, sobre o pedestal,
Quis mostrar o seu amor
A quem a foi acompanhar.

Falou o Sr. Delegado
E Pároco da freguesia.
Muito povo ajoelhado
Em frente à Virgem Maria,
Mesmo com o chão molhado,
Da chuvinha que caía.

Toda a gente admirou
O grande melhoramento,
Quando o “anto” entrou
Em volta do antigo templo;
E nesse dia me lembrou
Que lá me baptizaram dentro.

Reparai, caros leitores,
Ali fizeram linda estrada
E enfeitaram com flores
A respeitar a Mãe amada.
Gente digna de louvores
Desde então abençoada.

Desculpai minha ousadia,
Por eu não ser de Arões.
Desejo paz e alegria
Em todos os corações
À Junta de Freguesia
Todos devem obrigações.

E todo o povo está animado
De ter a estrada lá dentro.
Muito ali trabalharam
Os bons homens de talento.
Tudo fica compensado,
Isto é, em breve tempo.

De Casal Velide à Felgueia
E da Agualva ao Cercal
Faço votos e Deus queira:
Boas Festas de Natal
Pra todo o povo da Ribeira
E que bebam até cantar…

Pereira, Albino Filipe – Quadras publicadas in O Jornal de Cambra, n. 593, 595 e 608 (Arões) do ano 1951 e n. 715, de 1956

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